Aos 97 anos, Manoel de Barros mantém rotina de trabalho criativo e prepara novo livro de poemas – Ele confessa admiração por Guimarães Rosa e Padre Vieira e diz que o Brasil já tem poetas demais
Bianca Magela Melo – 08/06/2013 – UAI/BH*
Em qualquer parte e para todos que se aproximam ele é “o poeta”. Manoel de Barros responde com um sorriso espontâneo e quando fala ergue devagar as mãos e firma no interlocutor os olhos pretos pequenos sob a lente dos óculos. Nosso olhar pega-o à vontade em sua casa em Campo Grande (MS), de blusa branca de botão e calça azul de tecido leve. É um homem bem cuidado e recende, mesmo na simplicidade de suas escolhas, o tratamento carinhoso de uma esposa dedicada e das companhias que o cercam. A esposa é Stella, mineira de 91 anos, casada com Manoel há 65. O outro remédio para a vivacidade que se vê ao olhar para esse senhor de 97 anos é seu namoro antigo com a poesia. O relacionamento é mantido com disciplina: todas as suas manhãs são dedicadas ao ofício.
Fica no segundo andar de sua casa o espaço de fazer poesia ou lugar de ser inútil, como brinca Manoel. O pequeno escritório reúne os tesouros do poeta: os livros preferidos, dicionários, sua escrivaninha, dezenas de pequenos cadernos com anotações, tocos de lápis – desde que alguns dedos da mão esquerda ficaram “esquecidos”, ele só escreve a lápis com a mão direita; não usa mais a máquina de datilografia. É para esse cômodo que Manoel vai todas as manhãs depois de se levantar e tomar café. O namoro pede que ele fique lá entre as 6h e às 11h, lendo, relendo, escrevendo, ouvindo música clássica, pensando, contemplando.
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Lampejos de Manoel
Paixão literária
“Sou fanático pelo padre Antônio Vieira. Li todos os livros dele e estou relendo agora. Não sei gramática. Aprendi a escrever lendo Vieira. Porque ele escrevia numa harmonia total. Tenho hoje também grande admiração pelo Guimarães Rosa, que modificou a língua portuguesa do ponto de vista linguístico. A minha sedução pelo Vieira é a mesma que tenho pelo Guimarães Rosa. Eles são transformadores da língua portuguesa, são criadores.”
Valores para viver
“Eu sou um ser humano cristão. Já fui comunista. Amar o próximo como a si mesmo é o negócio mais importante pra mim. Uma coisa que acaba com o comunismo é amar o próximo. O ser humano nunca vai chegar a amar o próximo como a si mesmo. Ele consegue ser a vida inteira para ganhar dinheiro, para roubar do outro, para tirar do outro. Você acha que Stalin poderia fazer alguém puro, um São Francisco de Assis? Eu acho que amar o próximo como a si mesmo é a chave do ser humano.”
Livro roubado
“Quando escrevi meu primeiro livro, a polícia roubou. Fui preso como membro do regime comunista. Os policiais apareceram na pensão onde eu morava, começaram a vasculhar e descobriram esse livro, que ainda era um manuscrito. A dona da pensão, que era uma índia, falou ‘esse menino aí não é comunista, não’. Eles deixaram o assunto, mas levaram o livro. Eu sempre digo que a única ação boa da polícia foi essa, porque o livro era ruim.”
Poeta e moscas
“Levanto, tomo meu chá, essas coisas e vou para o escritório. Desço de lá às 11h, aí vou tomar um aperitivo. Tem um uísque bom aí. Recebo sempre pinga de Minas, mas agora eu dispenso. O médico falou: ‘Pinga te faz mal, uísque é melhor’. Tomo aperitivo, vou almoçar, vou deitar um pouco. De tarde, ler jornal, coisas que chegam pra mim. Todo dia vem correspondência, vem livro novo. O Brasil tem mais poeta do que mosca.”
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*Texto retirado inteiramente do blog Linhas Livres. Publicação datada em 10/06/2013 at 23:42.